Prefácio da minha publicação "Lembranças desta minha vida", pelo mano Alcides Villaça (Celso) - Professor de Literatura Brasileira na USP.Quem não tem sua própria história viva na memória? Mas nem todos a contam - por não querer,
por não saber, por não ousar.
Minha irmã Therezinha dispôs-se a contar a sua, de maneira simples e econômica, sem outra pretensão que não a de rememorar os fatos que permanecem mais vivos. O que aqui se lerá é uma narração em ordem cronológica dos acontecimentos escolhidos para fazer pulsar as lembranças e o sentido de uma já longa trajetória.
Mas não nos enganemos: a economia e a simplicidade da narração não escondem a emoção da matéria narrada. Como diz Therezinha, "são muitos tesouros que guardo no coração". A memória por ela convocada é composta mais pelas luzes do que pelas sombras; aliás, as próprias sombras, com o passar do tempo, deixaram de ser apenas dores para também se tornarem iluminações de um caminho. Na sua convicção de espírita, a mulher que narra sua vida material está o tempo todo conferindo a cada pequeno fato um valor transcendente; cada pequeno momento lembrado é uma peça de seu tesouro.
Não posso nem quero esconder que, como irmão da mulher que narra sua biografia, tomo parte nela e desfruto de uma condição privilegiada para compartilhar essas lembranças. Elas me ajudam a melhor recompor e a entender parte da minha própria história. Ao mesmo tempo, estou certo de que mesmo um leitor muito distante das experiências de vida aqui relatadas saberá encontrar nelas o interesse que toda memória provoca: o testemunho insubstituível de quem reaviva honestamente suas próprias percepções e refaz o percurso de uma vida que deseja compartilhar. Pela força própria da narração, o que é a memória
do outro fica sendo uma história que se presentifica
para nós, e repercute na nossa. Como já disse um pensador da Antiguidade clássica, "nada do que é humano me é alheio".
O que aqui se lerá revela uma mulher ativa em muitos planos: no da expressão artística (cantando, declamando, tocando, escrevendo), no da incansável dedicação à família, aos alunos e aos amigos (atualmente, em vez de cadeira de balanço prefere dar aulas de yoga), no da atuação política voluntária (sempre cidadã vigilante diante dos desmandos), nas colaborações para os jornais. Ela é uma referência para muitos, em Casa Branca, especialmente para os tantos que já puderam desfrutar de seu espírito de solidariedade.
O que aqui se lerá está, também, carregado de detalhes que não podem ser perdidos, como sugestões poéticas: há menções a um repertório variado de músicas e canções antigas, que constituem uma espécie de fundo musical de toda uma época; há referências passageiras e, no entanto, cheias de vibração, como a de certa orquídea que floresce todo ano, regularmente, ou a de um vestido branco que iluminou um dia muito especial, ou da frase do amado que lhe prometeu buscá-la "nem que fosse no fim do mundo" - e cumpriu a promessa.
Mas há uma lembrança que me toca particularmente e que quero aqui destacar: a de um certo quebra-cabeça, com o qual se formava a imagem de Santa Therezinha, que aos sete anos ganhou de nosso pai. Pois bem: tempos depois, eu menino por vezes montava com grande interesse esse quebra-cabeça, tirado de uma lata bonita, que com algum ciúme ela me deixava abrir. Vejo agora que, com estas memórias, ela soube montar sua própria imagem de Therezinha, com as palavras despojadas e o calor sincero do permanente desejo de comunicação, que é sua marca registrada. Como irmão e como leitor, fico feliz por ela me confiar as palavras de apresentação de suas lembranças mais caras.
Alcides Villaça (mano Celso)